domingo, 19 de outubro de 2008

A teus pés

Crédito: Pacha Urbano



NADA, ESTA ESPUMA
Por afrontamento do desejo
insisto na maldade de escrever
mas não sei se a deusa sobe à superfície
ou apenas me castiga com seus uivos.
Da amurada deste barco
quero tanto os seios da sereia.


A poesia de Ana Cristina Cesar me fascina!
Poucos poetas me tocam tão profundamente quanto ela. Quando a conheci Ana C. já havia morrido. Curiosa, aproveitei parte das tardes que dedicava a um trabalho de pesquisa na Bibioteca Central - levantando notícias de fuga de escravos na Bahia do século XIX, contratada por um colega que preparava sua dissertação de mestrado - para saber um pouco mais sobre ela...

SETE CHAVES
Vamos tomar chá das cinco e eu te conto minha
grande história passional, que guardei a sete
chaves, e meu coração bate incompasado entre
gaufrettes. Conta mais essa história, me
aconselhas como um marechal do ar fazendo
alegorias. Estou tocada pelo fogo. Mais um
roman à clé?
Eu nem respondo. Não sou dama nem mulher
moderna.
Nem te conheço.
Então:
É daqui que tiro versos, desta festa - com
arbítrio silencioso e origem que não confesso -
como quem apaga seus pecados de seda, seus três
monumentos pátrios, e passa o ponto e as luvas.

Nas livrarias buscava seus livros - A Teus Pés, uma coletânea apresentada por Caio Fernando Abreu, que encontrei na 6ª edição, durante uma feira de livros num shopping da cidade, foi o primeiro deles. A cada poema que lia, nele me via de alguma forma, ora espectadora, "olho muito tempo o corpo de um poema/até perder de vista o que não seja corpo/e sentir separado entre dentes/um filete de sangue/nas gengivas", ora protagoista - " O dia foi laminha. Célia disse: o que imprta é a carreira, não a vida. Contradição difícil. A vida parece laminha e a carreira é um narciso em flor."...


"Queria falar da morte
e sua juventude me afagava.
Uma estabanada, alvíssima,
um palito. Entre dentes
não maldizia a distração
elétrica, beleza ossuda
al mare. Afogava-me."


Em 29 de outubro completam-se 25 anos da sua morte, mas em mim ela vive e me acompanha até hoje.


"Ana Cristina encarava a modernidade. Talvez por isso tenha morrido cedo - pura passagem permanente - muitas asas e um desdém pelo que poderia ser raiz. O lugar que ocupa é na linha do horizonte - virtual e veloz. Seu verso, que pertenceu à vertente cultivada da geração que apareceu em 70, é, hoje, pedra de toque para toda poesia que se quer nova; com seus motivos e matizes estilizadas que se deixam acompanhar, ao fundo, por uma brusca e inusitada melodia que parece ter sido feita pela mistura de cristais, heavy metal e tafetá. A obra é breve, um cinemaessencial, e depressa. Morria de sede no meio de tanta seda. Nunca nos esquecemos de sua paixão acesa e seca. O que mais queima: a pedra de gelo ou o ferro em brasa ? Vulcão de neve. Ela não foi - ela fica - como uma fera". Armando Freitas Filho no livro" Inéditos e Dispersos - Poesia/Prosa" Editora Brasiliense - 1985


SAMBA-CANÇÃO
"Tantos poemas que perdi. Tantos que ouvi, de graça, pelo telefone - taí, eu fiz tudo pra você gostar, fui mulher vulgar, meia-bruxa, meia-fera, risinho modernista arranhando na garganta, malandra, bicha, bem viada, vândala, talvez maquiavélica, e um dia emburrei-me, vali-me de mesuras (era comércio, avara, embora um pouco burra, porque inteligente me punha logo rubra, ou ao contrário, cara pálida que desconhece o próprio cor-de-rosa, e tantas fiz, talvez querendo a glória, a outra cena à luz de spots, talvez apenas teu carinho, mas tantas, tantas fiz..."


Para saber mais consulte:
http://acervos.ims.uol.com.br/php/level.php?lang=pt&component=37&item=48
http://www.revista.agulha.nom.br/anac01.html
http://www.lumiarte.com/luardeoutono/accesar.html
http://www.germinaliteratura.com.br/acc.htm

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